Dentre as diversas coisas que leio, vivo, vejo e guardo, está uma poesia que vez li, e que tratava do amor carnal, se é que se pode chamar assim o tesão. O título era “Amor de verdade” que era mais ou menos assim:
Amor de Verdade
Me dê sua mão.
Toque aqui.
Veja como está!
E Então?
Acredita agora?
Bem, googleei no intuito de encontrar o autor da poesia, que acredito ser de Paulo Leminski, mas em vão, vai ver não postaram na net, vai ver estou um bibliotecário enferrujado que não consegue achar... Pois outro dia em mesa de bar com Maluce e Jair, citei a que considero uma das mais bonitas declarações de amor:
“Se todos me vaiarem e só você me aplaudir, ainda assim eu me sentirei como um Napoleão coroado.”
Essa, quando a recebi, era atribuída a Michelangelo Buonarroti e seria um trecho de uma carta dele a Tommaso Cavalieri. Tive essa citação por anos guardada entre tesouros que só tem valor a meus olhos e guardo na cabeça. Mas eis que, Jair, como bom conhecedor de história que é, alertou-me de imediato: não pode ser, a frase é linda, mas Michelangelo é muito anterior a Napoleão.
De fato, eu encantado com a frase, nunca conjuminei os fatos. Procurei no Google mais uma vez, e nada. Como diz um conhecido, se não está no Google, não existe... E agora? Bem, continuo a achar a frase preciosa, recebi de uma moça que conheci há mais de década, que mentia muito (e quem mente rouba), portanto pode até ser que a frase seja dela, apesar de mentir muito (ou exatamente por isso) ela escrevia muito bem. Ou roubou-a de alguém e deu a ela outro autor, no sentido de enriquecer, ou, como disse Jair, pode ter trocado César por Napoleão com a intenção de atualizar a bela citação.
Mas sobre o que é essa postagem mesmo? Ah, sobre o amor e algumas de suas formas de expressão...
Vinícius de Moraes, na crônica: “O bom e o mau fã”, descreve uma relação na sala de cinema: “E os casais de namorados, que desgraça! ‘você gosta de mim?’ ‘Gosto!’ ‘Mas gosta mesmo?’ ‘Mesmo!’ ‘Muito?’ ‘Muito!’ ‘Mas jura?’ ‘Juro, juro e pronto, tá satisfeita?’ Depois, dois suspiros (...) E recomeça: ‘Mas você gosta mesmo?...’”
Deuses meus, realmente é o inferno; imagine se Vinícius visse os que hoje teimam em ficar lado a lado nas escadas rolantes, bloqueando a passagem dos apressados no horário de pico, naquela hora em que você está mais que atrasado e vê o trem chegando à plataforma. Ou do casal, com invariavelmente um dos dois gordo, que insiste em querer andar de mãos dadas nas calçadas de São Paulo, estreitas e tomadas por postes, camelôs, lixeiras, carros estacionados e baús de motos...
Lembro que, em Madri, a única moça sentada no colo do namorado no metrô era brasileira, num agarramento vexatório que me fez esquecer automaticamente qualquer palavra lusófona.
E aqueles a quem o amor não convence a eles mesmos e precisam o tempo todo demonstrar ao resto do mundo o quanto amam o parceiro? Confesso que sinto engulhos, até porque geralmente algo soa falso nesses alardes. Principalmente se já convivem juntos, aí o alarido estafante é de tal forma fake que vira uma comédia. Tem gente que até aumenta o tom a fim de quedos possam ouvir suas declarações.
Conheço casais que sentam um em frente ao outro na hora de refeição em casa alheia, e ficam jogando beijinhos um pro outro. Chamam o par: “Môoo...” “Oi...?” e aí vem o biquinho e o pu-pu-pu dos beiços a fazer biquinho e o barulhinho característico do arrufo. Cômico? Nem isso... E os demais a disfarçar pra não correr o risco de tecer nenhum, nenhum comentário.
E aqueles que dizem amar tão apaixonadamente, que nunca viveram amor assim, mas que, sabendo o outro ciumento, provocam e alimentam esse ciúme. A meu ver, nada mais egoísta e digno de repúdio que alimentar esse sentimento apenas para manter a “pessoa amada” insegura. Afinal, estando insegura, eu estou no controle, eu comando! Deve ser este o pensamento (consciente ou não) que emana de tal ser.
Sinceramente os casais mais felizes que conheço não fazem (nem precisam) fazer alarido algum, a felicidade está no olhar, nos gestos, nos pequenos comentários que não falam em palavras de amor, pois ela está no carinho e respeito com que se tratam. Até porque a maior demonstração de amor está na cumplicidade e respeito um pelo outro.
E aí vem a velha questão que sempre falo: vale mais o respeito próprio que o amor próprio. Nesse caso, mais o respeito e dedicação à outra pessoa do que as demonstrações apenas para convencer o outro, ou em muitos casos, os outros. Ou seria para convencer a si mesmo? Afinal, tem por aí pessoas que não se dão em quaisquer tipos de relacionamento, e talvez fosse o que mais gostaria mas simplesmente não conseguem.
Nem levo em conta traições carnais que, como em “Amor de Verdade”, que continuo acreditando ser do Leminski, nada mais é que um instinto animal, apenas físico. Mas o pior é a traição de sentimento, a alvorada altissonante que ressoa em alto brado retumbante, como dezenas de címbalos sonoros a cantar um amor que não existe.
E como comecei com citações diversas, termino com uma que acredito casar perfeitamente com o tema tratado. Afinal, Adélia Prado está sempre a nos dizer coisas absurdamente preciosas da forma mais simples:
Ensinamento
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
*MORAIS, Vinícius de. O cinema de meus olhos. São Paulo : Companhia das Letras, 2001.
PRADO, Adélia. Prosa reunida. São Paulo : Siciliano, 1999.